Wednesday, October 15, 2008

1. No doloroso processo de separação do papai e da mamãe, muitas pessoas da família foram, infelizmente, uma espécie de para-raios das confusões dos dois.

Por exemplo: houve uma época que mamãe não atendia as ligações telefônicas do papai. Assim, ele ligava para o meu tio Dário, na tentativa que ele transmitisse algum recado de reconciliação. O Dário atendia sempre como um gentleman, escutando também todos os outros assuntos que papai falava.

Uma vez, eu estava no apartamento do Dário em Juiz de Fora e papai ligou. Como foi o Dário que atendeu, a conversa se alongou e eu percebi pelo tom que papai estava dizendo-lhe como era difícil sustentar uma família sozinho.

Ao término da ligação, meu tio Dário comentou comigo:
"Nossa Zequi; Impressionante, o seu pai sabe o preço de tudo!"

---
2. Um tempo atr'as, eu e o Dário pelejávamos para colocar todas as malas dentro do porta-malas do carro. Ele então comentou: "Se fosse seu pai, ele conseguiria colocar tudo isto ai dentro..."

Realmente era fantástica a disposição do papai para arrumar um porta-malas de carro, desses de familia grande, otimizando diversas malas, pacotes, travesseiros, violão, compras e etc; tudo no mesmo espa'co.

--
* Hoje, se vivo estivesse, Cesar Augustus Pereira faria 57 anos. *

Sunday, September 21, 2008

Quando nós tinhámos 11 p/ 12 anos, eu e meus irmãos (Rachel e Rafael) resolvemos gravar uma simulação de uma briga no microsystem da Chel que tinha um microfone embutido. A idéia seria passar a fita na hora em que a mamãe chegasse em casa, a fim de pregar uma peça.

Só que nós, como crianças, não medimos as proporções, e o tiro saiu pela culatra... Quem chegou em casa primeiro foi o papai, justo num dos ápices da gravação, que era uma fala minha, ao fundo de vários barulhos: "Eu vou chamar a polícia!!!"

Papai jogou uma pilha de rolos de projetos que carregava no chão e correu para o andar de baixo, onde nós estávamos no quarto da Chel, esperando sorridentes. Quando ele viu que era uma enorme malandragem dos filhos, ele nos abraçou na cama e começou a chorar. Foi a primeira vez que vi meu pai chorando.

Thursday, August 21, 2008

Quando a firma de engenharia do papai estava falindo, o Escort L 1.6, único veículo do família, foi transferido para o nome da minha avó.

No entanto, como papai e mamãe eram dois descontrolados, em pouco tempo eles levaram uma quantidade enorme de multas de trânsito em BH. A multas não foram pagas e o carro ficou em situação irregular. O pior, é que as multas chegavam em Barbacena, no nome da minha avó, que ficou com razão muito aborrecida com o ocorrido.

Certa vez, meu primo Marcelo ia saindo da casa da vó. Antes de entrar no fusquinha do seu pai, um carro da polícia passou na porta, onde o Escort estava parado e os policiais fizeram-lhe várias perguntas sobre o dono do veículo.

Não sabendo do que se tratava, ele resolveu voltar e comentar o ocorrido para o papai. Como ele ainda estava agitado, nós perguntamos o que mais tinha ocorrido. Ele então falou:

"Agora, eu tô é esperando um tempo para a polícia ir embora. Porque como vocês sabem, eu não tenho carteira de motorista."

Sunday, July 13, 2008

É incrível como a maioria dos ensinamentos de papai ocorreram dentro do carro, nas diversas idas e vindas da vida. Assim também, foi com a maioria dos casos engraçados.

Uma vez nós subiámos o anel rodoviário, voltando do Cefet. Papai no volante, o Rafa no banco da frente e eu no de trás. No último trecho, Betânia-Olhos d'água, perto do depósito da Belgo, agora Arcelor, deparamos-nos com a seguinte cena surreal: uma caminhonete F1000 bem antiga subia na nossa frente. Quando papai falou: "Gente! Olha lá. Olha lá!"

A roda traseira direita da caminhonete havia se soltado naquele exato momento e veio quicando e rolando em nossa direção. Papai ultrapassou o veículo pela esquerda e por sorte a roda foi para o outro lado.

A caminhonete meio que tombou de lado e não vi se ela chegou a parar com segurança. Só sei que depois do susto, nós três rimos prá caralho!

Monday, June 23, 2008

Curtas:

1. Depois que papai faleu, o Rony comentou brincando que ele herdou o posto do papai de "Engenheiro especialista em resolver pepinos que ninguém resolve em BH".

2. Quando estava no hospital, recebendo a romaria de visitas, alguém do DER (acho) chegou lá e disse algo que define bem o papai: "O Cesar é o louco mais lúcido que eu conheço."

3. Quando papai faleceu, o professor José Oswaldo cancelou a aula na graduação. Quando os alunos perguntaram por que, ele falou que não tinha condições de dar aula, pois tinha perdido um amigo. O que é mais importante para um professor que seus alunos?

4. No livro Canto Geral do Pablo Neruda, encontrei a seguinte dedicatória do papai para mamãe: ¨Este livro pra você lembrar de mim quando estivermos longe um do outro. Do Cesar 01/11/1979." Nunca a dedicatória fez tanto sentido quanto agora.

5. No Jornal do Memória Gráfica de Maio de 2004, o Savinho escreveu a seguinte homenagem ao papai: "ADEUS CESAR - Por motivo de força maior faleceu nessa semana nosso amigo e colaborador Cesar Augustus Pereira. Tocava uma guitarra e uma usina de idéias que funcionava 24 horas por dia sem parar. Viveu entre o céu e a terra, e ai permaneceu pela vida eterna."

Sunday, May 25, 2008

Meu pai sempre foi uma pessoa como se diz, naquela gíria antiga, virador! Nunca houve tempo ruim com ele!

Dois exemplos:
1. Quando a máquina de lavar roupas daqui de casa estragava (aquelas Brastemps antigas que boa parte da classe média-anos-80 possuiu) ele mesmo consertava (às vezes com alguma ajuda minha). Às vezes, também acontecia dele não conseguir consertar a máquina, como ocorreu com derradeiro e último problema, onde o tanque furou. Assim, nós usamos praticamente todas nossas nossas roupas, meias e cuecas, até o dia que calculamos que seria mais barato irmos à Barbacena e lavarmos todas as roupas na casa da mamãe e na casa da tia Tereza. Minha mãe, quando viu as malas de roupa suja, quase chorou, não pelo trabalho que teria, mas de tristeza por pensar (corretamente) que estávamos no limite. Carinhosamente, ela chegou a ferver as meias e cuecas num caldeirão.

2. Outra história interessante aconteceu em Manguinhos no ES na casa do Celso e da Neide. Quando soube que a caixa d'água da casa deles nunca havia sido limpa, papai ficou daquele jeito, indignado. Logo, ele se dispôs a lavá-la. Nada mais justo, pois, como amigos, estávamos hospedados na casa deles. Durante a execução dos serviços, alguma das meninas da Neide (Clara ou Carolina) reclamou que não havia água na casa. A Neide que é uma pessoa muito bem humorada mandou elas pararem de reclamar e ainda completou: "E fiquem quietas!, porque a pessoa que está limpando a caixa d'água possui o mesmo nível de instrução que o pai de vocês!!"

Friday, March 21, 2008

Possibilidades

Quando o papai foi à Europa em 1974, ele trouxe de presente para a Tia Teresa um conjunto de 12 copinhos para tomar Whisky Cowboy. Cada copinho tinha um dos pontos turísticos de Londres desenhados no vidro, no entanto, um deles quebrou na viagem, deixando o conjunto incompleto.

Em 1978, quando ele retornou à Europa, ele comprou outro conjunto igual para ele. Porém, aconteceu algum acidente com a mala na volta. Quando o pacote foi aberto no Brasil, 11 copinhos haviam quebrado, restando intacto apenas o copinho que quebrara na primeira viagem. Ele não teve outra opção, senão dá-lo para a Tia Teresa.

Tuesday, March 04, 2008

Bilhete deixado sobre a mesa de café*

"César, responda urgente e rápido:

Como é que eu faço
com gente que não tem,
usa o dos outros,
paga para aqueles que têm e não podem usar
porque está emprestado ?"

---

* Autora: Nivalda de Melo Campos Richard, minha mãe. Acho o bilhete muito poético (como tantas coisas dela!).
** Na grafia original, o nome do papai foi acentuado erradamente, talvez por ironia.

Saturday, February 02, 2008

Quando o artista plástico Oswaldo Medeiros, o Wadin, faleceu papai falou que seria o próximo da turma a morrer.

Infelizmente, ele acertou...

A turma a que ele se referia era pessoal do Bar do Helinho e do projeto Memória Gráfica encabeçado pelo Wadin e cujos projetos elétricos das instalações papai realizou.

O Bar do Helinho era o bar mais legal de Belo Horizonte! Ele funcionava no porão do Teatro Universitário da UFMG, na rua Carangola. Seu dono era o ator Hélio Zolini, daí o nome para os íntimos. O bar também era conhecido como bar do TU, ou ainda, incomumente pelo nome verdadeiro: Cantina Urrubus. Era o reduto de vários artistas plásticos como o Wadin, Gilberto Abreu, músicos, intelectuais e outros talentos que muitas vezes, ainda não eram devidamente reconhecidos no mainstream.

Confesso que muitas das diferenças entre eu e papai foram acertadas em mesas de bar como esse. Na época eu tinha entre 17 e 18 anos. (Nesse aspecto, o bar Cheiro de Mato em Barbacena foi igualmente importante na minha vida).

Uma vez, eu deixei papai nesse bar e fui dar umas voltas com o Escort pois tinha acabado de tirar carteira. Eu ficava com o seu celular, no caso de alguma emergência. Foi quando ele me ligou pedindo para voltar, pois o bar iria fechar e todos iriam para o bar do Toninho Horta no horto.

Quando eu cheguei no bar, que Toninho Horta, que nada! Nesse meio tempo, apareceu um casal com um violão, que já estava na mão do papai que tocava desde Beatles a Tom Jobim. Todo o bar, numa roda fechada, cantava junto!

Meu amigo Luiggi foi testemunha desse dia inesquecível!

NP: My Father's Eyes - Eric Clapton

Friday, January 18, 2008

Amigos, recebi esta mensagem do Leandro Marçal, colega de pós-graduação do papai, após ele visitar o blog. Sinceramente não esperava uma mensagem tão bonita.

-----Mensagem original-----
De: Leandro Marcal
Enviada em: quinta-feira, 17 de janeiro de 2008 15:09
Para: EZEQUIEL
Assunto: MEMÓRIAS DO CÉSAR

Ezequiel,

A meu ver, a vida é frágil, fugaz e efêmera.
Realizamos uma travessia, cada qual com seus dons.
E o que deixamos depois de completar essa caminhada?
As recordações, perenizadas pela amizade, sinceridade, confiança e solidariedade.
E esse foi o legado maior deixado pelo Cesar
Uma pessoa de brilho próprio e intenso.

Com amizade.

Leandro.


-----

Papai falava que o Leandro era um dos anjos da guarda dele. Uma amiga do Leandro, ao saber disso me falou: ¨Nossa mãe, mas que anjo maluco...¨ Ela não conheceu o protegido.

Saturday, January 05, 2008

Recentemente estive de férias e pedi a um vizinho um convite para o clube que eramos sócios no passado (época em que a família era estruturada). O retorno ao clube foi um retorno à infância. Nesse dia me lembrei do seguinte caso:

No início da década de 90, o bar do clube passou a adotar fichas plásticas coloridas que se juntavam umas às outras formando uma corrente. Essas fichas representavam as moedas e notas dos mais variados valores: $0,01; $0,05; $0,10; $0,50 e assim por diante.

No entanto, como existia uma grande inflação na época, as fichas de menor valor logo caiam em desuso (semelhante as moedas de R$0,01 hoje), até que passados alguns meses, retornavam com o valor da ficha mais alta.

Com uns 10 anos de idade eu percebi isso na primeira rodada. Assim passei de mesa em mesa do clube, pedindo para trocar minhas fichas de $0,10; $0,50; $1,00 por várias fichas de $0,05.

Numa conversa no balcão do bar, meu pai criticou o sistema com um amigo que replicou:
"Cesar, você tem que esperar as fichas rodarem dessa forma você ganhará algum dinheiro".

Papai acho que não entendeu o negócio e eu intervi na conversa dizendo que já tinha várias fichas antigas à espera da valorização. O amigo então disse:
"Olha só Cesar! O seu filho tá mais esperto que você."

Ele ficou P. da vida. Depois quando comentei o assunto no carro, ele foi irônico (mas sempre numa boa) e respondeu:
"É... eu vou investir todo o dinheiro da família em fichas de bar do clube..."